segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Do “Missale Romanum” ao “iMissal”? A Liturgia e a Técnica na Pós-modernidade




Recordo-me que, no ano passado, quando vi pela primeira vez alguém rezando o Ofício Divino por meio de um iPad, deixando de lado o tradicional volume da Liturgia das Horas, fiquei meio espantado. Eu e outros seminaristas comentávamos: “Será que ainda veremos um padre ‘passando as páginas’ do Missal em um tablet também”? Recordo-me de um de meus professores, hoje bispo, que dizia: “Eu prefiro o meu bom e velho breviário. O contato com as páginas dele para mim é importante também”. O assunto voltou à tona essa semana, quando li em diversos blogs o comentário feito pelo Pe. Antonio Spadaro, jesuíta diretor da revista “La Civiltà Cattolica” e membro do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, em seu site “CyberTeologia” sobre a decisão dos bispos neozelandeses (tomada em abril deste ano) de proibir o uso do iPad e similares em substituição do Missal Romano.
As imagens disponíveis na internet que mostram celebrações eucarísticas em que tal recurso tecnológico já foi aplicado demonstram, para além das críticas, como a nossa boa vontade, o nosso desejo de aggiornamento, nos faz transpor algumas “barreiras” simbólicas sem, talvez, nos darmos conta do alcance do fato. Mas, antes da reflexão, voltemos ao caso que ensejou a circulação no mundo inteiro, em diversas línguas, da decisão da Conferência dos Bispos Católicos da Nova Zelândia. Para isso, damos a conhecer o teor da carta enviada pelos bispos dessa Conferência Episcopal aos seus padres:


CONFERÊNCIA DOS BISPOS CATÓLICOS DA NOVA ZELÂNDIA

30 de abril de 2012

Queridos padres

Desde a publicação do Missal Romano para o uso na Nova Zelândia nós recebemos muitas questões acerca do uso de iPads ou outros tablets, e-readers, e telefones celulares pelo padre no lugar do Missal durante a Missa ou outras liturgias.
Os bispos consideraram esta matéria com atenção e observaram o que está acontecendo em outros países.
Toda fé tem os seus livros sagrados, que são reservados para seus rituais e atividades que estão no coração da fé. A Igreja Católica não é diferente, e o Missal Romano é um dos nossos livros sagrados. Sua forma física é um indicativo de sua função especial em nosso culto.
O Missal é reservado para o uso durante a liturgia da Igreja. Os iPads e outros equipamentos eletrônicos possuem uma variedade de usos como jogar, usar a internet, assistir vídeos e verificar e-mails. Somente isso já torna o seu uso inapropriado na liturgia.
A Conferência dos Bispos Católicos da Nova Zelândia tomou a seguinte decisão sobre o uso de aparelhos eletrônicos no lugar do Missal. Esta decisão aplica-se para todos os padres das dioceses da Nova Zelândia:
Com a publicação do Missal Romano, surgiram grande número de aplicativos do Missal para iPad e outros tablets, para celulares e e-readers.
Embora tais aplicativos sejam excelentes para fins de estudo, o iPad (e seus equivalentes), e-readers e telefones celulares não podem ser usados pelo padre na liturgia.
Somente a versão oficial impressa do Missal Romano pode ser usada na Missa e demais liturgias da Igreja.

+John Dew
Arcebispo de Wellington
Presidente da NZCBC

+ Patrick Dunn
Bispo de Auckland
Secretário da NZCBC

+Denis Browne
Bispo de Hamilton

+Colin Campbell
Bispo de Dunedin

+Charles Drennan
Bispo de Palmerston North

+Barry Jones
Bispo de Christchurch

+Peter Cullinane
Bispo Emérito de Palmerston North

 A questão, como se nota, vai muito além da utilidade e da conveniência. Não se trata de uma questão de “andar em dias”, de estar aggiornato, na “última moda da Big Apple” (não a empresa de Jobs, mas New York). As razões aduzidas pelos bispos dizem respeito à própria natureza e dignidade da Liturgia, e relacionam-se com a essência do culto cristão e a função dos diversos elementos materiais nele utilizados.
Como observa o padre Antonio Spadaro, os bispos neozelandeses notaram que “com a expansão da leitura digital, o ‘texto’ destaca-se permanentemente da sua ancoragem sólida na realidade material da ‘página’. Em que consiste, de fato, o desafio posto pelas telas aos ‘textos sagrados’? Antes do mais em que o texto torna-se um ‘objeto’ fluido: o exato oposto das ‘tábuas da lei’ e do provérbio scripta manent (o que é escrito permanece). Não só: o texto litúrgico pode facilmente desaparecer do suporte para dar lugar a vídeos, e-mails, páginas da internet, outros aplicativos. O ‘texto’ se destaca da realidade material da ‘página’ para ‘flutuar’ na tela, mas sem jamais coincidir com ela”. Ou seja, a relação íntima entre a palavra escrita e a página – eternizada, por exemplo, nos Evangeliários e Livros de Horas repletos de iluminuras, em que a mensagem e o meio de apresentação se misturam quase num paralelo da Encarnação – vê-se truncada nos equipamentos eletrônicos modernos. Os pixels da tela de um tablet são, por assim dizer, voláteis, passageiros, descartáveis: em um toque apenas, cedem o lugar a outras informações.
De certo este é um reflexo da condição humana pós-moderna: num mundo onde as relações são fluidas, a personalidade um mosaico caleidoscópico, o tempo é extremamente fugaz, os valores são relativos e nada é definitivo, por qual razão as palavras deveriam possuir um status de perenidade (ou quase)? A palavra experimenta a mesma realidade pós-moderna, dissolvendo-se na transitoriedade de um click, entrando no jogo do descartável, dos contínuos upgrades (ou da planned obsolescence, a obsolescência programada). Não se escrevem mais palavras stilo ferreo et plumbeo, in aeternum in silice – “com estilete de ferro e com chumbo, esculpidas em granito” –, como pedia Jó... Hoje se escrevem palavras com números binários.
A Liturgia, que torna presente as realidades eternas (SC 8) através de sinais sensíveis (cf. SC 59), não pode cair nesse mesmo jogo, e isso por sua própria natureza. Enquanto se exige para as matérias sacramentais a correspondência à “verdade do sinal” (p. ex. IGMR n. 321), não podemos supor que as palavras – elemento importantíssimo nos sacramentos – possam entrar em tal processo de “descartalização”.
A propósito disso, a Instrução Geral do Missal Romano é bem clara: “Deve-se cuidar de modo especial que os livros litúrgicos, particularmente o Evangeliário e o lecionário, destinados à proclamação da Palavra de Deus, gozando, por isso, de veneração peculiar, sejam na ação litúrgica realmente sinais e símbolos das realidades celestes, e, por conseguinte, verdadeiramente dignos, artísticos e belos” (IGMR, n. 349). O Livro em si é um símbolo, é um sinal da dignidade da Liturgia.
A Comissão Episcopal de Pastoral Litúrgica da CNBB também teve de andar às voltas com a relação técnica-celebração litúrgica, emitindo em janeiro de 2011 uma nota com o título “O uso do projetor multimídia na liturgia – elementos para reflexão”. A CEPL tomou uma posição corajosa, que corre o risco de ser depreciada como retrógrada, fixada em ideias do passado, ao apontar os equívocos da utilização de tais equipamentos nas celebrações litúrgicas. No caso do projetor de multimídia há justificativas ecológicas (não utilizar mais folhetos de papel), economia (o projetor seria mais barato), do ponto de vista da eficiência e da preocupação pastoral. Uma a uma elas são desmontadas, revelando o primado da técnica, do uso da tecnologia de ponta (que tem prazo marcado para ser substituída...) sobre a sacramentalidade, a ritualidade e participação ativa dos fiéis. Seria interessante retomar esse texto da CNBB para compreender também alguns aspectos da proibição dada pelos bispos da Nova Zelândia.
Os comentários à postagem de Pe. Antonio Spadaro, no seu site CyberTeologia, são eloquentes quanto à sedução da técnica. Muitos questionam se não estamos caindo numa idolatria do livro, como se o elemento material formado por páginas de papel encadernadas fosse um objeto por si mesmo sagrado. Enquanto os bispos neozelandeses apontaram a multiplicidade de usos possíveis para os aparatos tecnológicos do mesmo tipo dos tablets e smartphones como um dos elementos que os tornam inaptos para o uso litúrgico, houve quem questionasse o fato de que também a folha de papel pode ser usada para outros fins e assim também o livro seria inadequado para o uso litúrgico. Há aqui uma grande confusão: uma folha, genérica, pode realmente ter uma multiplicidade de usos, mas a folha do Missal Romano, específica, já está em uso, contendo permanentemente o texto a ser empregado na Liturgia, de modo que qualquer outro uso da folha do Missal é uma rasura, um borrão, um acréscimo indevido. A folha do Missal foi impressa para servir como folha do Missal, enquanto a tela do tablet foi produzida para ter uma multiplicidade de funções.
O acento da questão foi invertido, apontando-se para o fato de que as versões não são oficiais. Este não é o ponto fulcral: ainda que os textos sejam completamente fiéis às versões oficiais, o fato é que o instrumento é inapto, por não conseguir alcançar uma das condições exigidas pela introdução do Missal: “sejam na ação litúrgica realmente sinais e símbolos das realidades celestes”. Neste sentido, o Livro, com sua solidez, inclusive sua “fixidez” (em oposição à “fluidez” da tela), a sua elaboração artística, contribui para a compreensão da dimensão sacramental do rito litúrgico.
Alguém, nos comentários, insinuou que durante outra revolução tecnológica, a da imprensa, surgiu um instrumento de combate: o Index Librorum Prohibitorum. Os tablets, e-readers e smartphones estariam sendo inscritos num novo Index? Não é esse o caso. A tecnologia em si não é condenada. Ao contrário, deve ser empregada eficazmente como instrumento de evangelização. O próprio papa Bento XVI recordou, há poucos anos no Dia Mundial das Comunicações Sociais, que também os presbíteros devem fazer-se presentes nas diversas redes sociais como evangelizadores. Agora, evangelizar tendo a tecnologia como aliada não é sinônimo de empregá-la indiscriminadamente, em todas as ocasiões. Qual a função “evangelizadora” de substituir um Missal por um iPad? Há aqui muito mais uma questão de comodidade... Mas busca pelo mais cômodo, pelo confortável, pelo menor esforço não é também uma expressão do pensamento individualista pós-moderno?
Para concluir, dois adendos.
Primeiro. Recordei-me de um texto que havia encontrado há vários anos atrás, que reproduz a inscrição deixada por um padre em seu velho breviário: “Vai, meu querido breviário velho, vai para o teu novo destino... Recebe, antes de partir, o meu beijo carinhoso de despedida... Fiel companheiro de todos os meus dias, eu aqui fico cheio de saudades das tuas queridas páginas amarelecidas de rolar pelos meus dedos... Vai... mas antes de partir pede a Deus - meu saudoso breviário velho - pede a Deus que o novo breviário tenha a mesma sorte que tiveste no meu coração... Adeus!”. Não consigo imaginar a mesma relação entre um padre e o seu “tablet velho”...
Segundo adendo. Trata-se de um questionamento que me veio em mente. Os judeus, até hoje, conservam uma grande veneração pela Torah. Ela é conservada em grandes rolos de pergaminho (sifrei Torah) guardados nas sinagogas em uma estante especial (hekhal). Para a leitura, é usada uma estante própria (tebá) e, geralmente, também um indicador de leitura, com o formato de uma mãozinha (yad), que percorre o texto sagrado sem que o leitor precise tocá-lo com as próprias mãos. Há, de fato, uma grande solenidade no rito da leitura da Torah na comunidade judaica. Não consigo imaginar os mesmos ritos com a leitura feita a partir de um tablet. Será que os judeus guardariam um tablet que contivesse somente o aplicativo da Torah dentro da estante (hekhal)? Acho difícil. Certamente eles não abririam mão do simbolismo dos rolos da Torah...
E nós, católicos, estamos dispostos a abrir mão de nossos símbolos em favor da técnica?

* * *

Melhor assim: rezando com o Breviário...



... e tweetando com o tablet!



De volta à ativa...

O Blog Ars Celebrandi passou um longo (muito longo...) tempo sem atualizações. Resolvi voltar aos poucos a publicar de novo. Por enquanto alguns projetos continuarão parados (como a história da Semana Santa). Mas trarei, possivelmente a cada semana, algum comentário sobre questões litúrgicas.
Espero que desta vez não haja contratempos!

Laersio

sábado, 23 de abril de 2011

A QUINTA-FEIRA SANTA NO ORIENTE

          Apresentamos, agora, alguns vídeos e imagens da celebração da Quinta-feira Santa nas Igrejas Ortodoxas na Rússia e em Jerusalém. Nas igrejas de rito bizantino segue-se o costume antigo romano: numa única celebração é feita a bênção do Santo Myron (o óleo crismal), a comemoração da instituição da Eucaristia e o lava-pés. O texto abaixo, que apresenta em resumo os ritos da liturgia russa nesse dia, é retirado do Manual dos Serviços Divinos, de D. Sokolof (disponível no site Father Alexander):

Quinta-feira Santa.

O serviço da Quinta-feira Santa comemora a lavagem dos pés dos discípulos, a Ceia Mística, a pregação de Cristo no Jardim de Guetsemane, e Sua traição por Judas. As características especiais do dia são as seguintes: uma paremia é lida na Primeira Hora, a Liturgia de São Basílio é celebrada em combinação com Vésperas; na Liturgia, ao invés do Hino dos Querubins, o canto da Comunhão, o verso durante o ato da comunhão, o hino: ."..Que os nossos lábios estejam cheios do Teu louvor....," o coro canta: "Recebe-me Senhor, neste dia, na Tua Mística Ceia....."
Nas Igrejas Catedrais, depois da oração que o presbítero faz depois de descer do ambão, é realizada a cerimônia de lavagem dos pés. O bispo se dirige para o meio da Igreja onde é colocada uma plataforma. Ali ele toma seu lugar em uma cadeira de braços, em frente a um analogion onde está colocado o Evangeliário. Então o diácono lidera para fora do Santuário, doze presbíteros, dois a dois, e eles se sentam em ambos os lados do bispo em duas fileiras, da plataforma para as Portas Reais. Durante esse tempo o coro canta estiquérios, que se referem à lavagem dos pés dos discípulos pelo Senhor na Última Ceia. Quando todos os doze presbíteros, representando os doze discípulos na Ceia, estão em seus lugares, o diácono recita a Grande Ectênia, adicionando uma petição que, "ela (a lavagem) seja para lavar as manchas de nossos pecados, oremos ao Senhor." Durante a Ectênia o bispo e os presbíteros permanecem sentados; quando termina a Ectênia só o bispo se levanta e oferece uma oração "que o Senhor Se digna a deixar que o contato dessa água lave-nos de toda impureza espiritual e preserve-nos da serpente espiritual, que tenta morder nosso calcanhar," e senta-se de novo. Então, todos os celebrantes permanecem sentados, e começa a leitura do Evangelho, contando como Cristo, na Mística Ceia, lavou os pés dos Seus discípulos. Quando o diácono pronuncia as palavras "Ele Se levantou da ceia," o bispo se levanta; nas palavras "e pôs de lado suas vestes," o bispo põe de lado suas vestes episcopais; a panagia, a Cruz episcopal, o omophorion e os saccos. Durante a retirada das roupas, o diácono mantêm-se repetindo as palavras "e pôs de lado seus vestidos." O diácono continua lendo: "e pegou uma toalha e cingiu-Se"; o bispo então cinge-se com uma toalha. O diácono lê: "Após isso Ele derramou água numa bacia" e o bispo derrama água de uma bilha em uma bacia.. Quando o diácono lê: "E começou a lavar os pés dos discípulos e a seca-los com a tolha com a qual estava cingido," o bispo lava os pés dos doze presbíteros, começando com aquele que senta no primeiro lugar do lado da mão esquerda e termina com o que senta em primeiro lugar do lado da mão direita.
A ordem de lavagem é como segue: o bispo joga três vezes água em cada pe dó presbítero; e aquele cujos pés foram lavados beija a mitra do bispo e a sua mão. Enquanto os pés de onze dos presbíteros são lavados, o diácono mantêm-se repetindo as palavras "e começou a lavar os pés dos discípulos e a seca-los com a toalha com a qual estava cingido." Quando o diácono lê "então ele chegou a Simão Pedro: e Pedro disse a ele," o bispo se aproxima o que está sentado no primeiro lugar do lado da mão direita; o presbítero se levanta e diz nas palavras do Evangelho: "Senhor, Tu lavas-me os pés a mim?" O bispo responde, também com as palavras do Evangelho: "O que Eu faço não o sabes tu agora, mas tu o saberás depois." O presbítero continua a falar nas palavras do Evangelho: "Nunca me lavras os pés." O bispo responde: "Se Eu não te lavar, não tens parte comigo." Então o presbítero diz: "Senhor, não só os meus pés, mas também as mãos e a cabeça," apontando para suas mãos e cabeça, e reassumindo seu assento. O bispo responde nas palavras do Evangelho: "Aquele que está lavando necessita de lavar senão os pés, pois no mais todo está limpo. Ora vós estias limpos, mas não todos." — e lava os pés do presbítero, após o que ele volta para seu lugar na plataforma, tira a toalha, e o diácono lê o final do Evangelho: "Porque bem sabia ele quem o havia de trair; por isso disse: nem todos estais limpos." O coro agora canta "Glória a Ti, nosso Deus, Glória a Ti!"; então o diácono de novo convida os presentes a ouvir atentamente o Evangelho, e continua lendo: "Depois que lhes lavou os pés, e tomou os seus vestidos." As palavras "e tomou os seus vestidos" são repetidas muitas vezes, enquanto o bispo se veste de novo.
Enquanto o diácono lê as palavras: "e se assentou outra vez à mesa," o bispo senta-se e todos os presbíteros se põem de pé. Então o próprio bispo lê o final do Evangelho: "Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu voz fiz, façais vós também." * O bispo então se levanta, e oferece uma prece, para que "O Senhor, lave toda impureza de nossas almas, e que nós, tendo lavado toda poeira das transgressões que estava aderida a nossas almas, possamos secar-nos uns aos outros com a toalha do amor e ganhar força para agradar a Deus." Então o bispo entra no Santuário e continua a Liturgia. Na Igreja da Dormição em Moscou e na Lavra das Grutas de Kiev (Kiev — Pecherskaya Lavra) tem lugar na Quinta feira Santa a consagração do miron ou crisma que é usado em todas as Igrejas da Rússia para o Sacramento do Crisma ou Confirmação, na consagração de Igrejas e Antimensions e na coroação do Tsar. A preparação dos ingredientes começa na semana da Veneração da Cruz. Os ingredientes são: óleo de oliva, vinho, óleos adocicados e vários tipos de incenso e ervas (trinta no total). O óleo é emblemático de misericórdia, o vinho do Sangue de Cristo, os perfumes simbolizam os múltiplos dons do Espírito Santo. Na segunda feira da Semana Santa, a mistura de óleo e vinho ferve em fogo lento em caldeiras com a leitura contínua do Evangelho. Na quarta feira são acrescentados os ingredientes aromáticos e o miróm é vertido das caldeiras para vasos. Na Quinta feira , antes da Liturgia, o bispo e presbíteros, com as vestes canônicas completas, transferem os vasos contendo o miron novo e um vaso contendo o miron do ano anterior para a Igreja, e os colocam sobre e ao redor da Mesa de Oblação. Na grande entrada com os Santos Dons, os vasos com o miron também são transferidos da Mesa de Oblações para o altar. O vaso com o miron do ano anterior é colocado sobre o altar; os vasos contendo o novo miron são dispostos em torno dele.
Depois da exclamação: "Que a misericórdia de nosso Deus cheio de majestade e Salvador Jesus Cristo esteja sempre convosco!" A consagração do miron tem lugar. O bispo abençoa cada vaso três vezes com as palavras: "Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo," e então ora ao Senhor "para que Ele envie sobre o miron a graça do Espírito Santo, e torne-o uma unção espiritual, um repositório de vida, a santificação dos corpos e das almas, um óleo de alegria." Depois da Ectênia da Súplica e comemoração de todos os Santos, o miron é levado para o repositório de vasos sagrados. Lá, em cada vaso do novo miron são derramadas algumas gotas do miron antigo, pro conta da conexão ininterrupta da Igreja russa com a grega, de quem ela recebeu a graça do sacerdócio na pessoa do primeiro bispo e também recebeu o primeiro miron consagrado.

          Para concluir, vídeos e fotos das cerimônias desse dia:

Rito do Lava-pés em Moscou:

Rito do Lava-pés em Jerusalém:


 


Preparação do Myron em Moscou (2009):



"AVE SANCTUM CHRISMA": ACENOS HISTÓRICOS SOBRE A MISSA CRISMAL NA LITURGIA ROMANA

Bênção dos óleos na Catedral de Klagenfurt


          Na Quinta-feira Santa, nas catedrais de Rito Romano, celebra-se pela manhã a Missa Crismal, na qual são abençoados os óleos dos Catecúmenos e dos Enfermos e é consagrado o Santo Crisma. Por razões pastorais, esta missa pode ser celebrada também em outro dia próximo do Tríduo Pascal, como é o caso de algumas dioceses do Maranhão. Entretanto, nem sempre a Quinta-feira Santa foi o dia próprio da bênção dos óleos e também nem sempre houve uma missa específica para isso.
           Mario Righetti recorda que, segundo os testemunhos mais antigos do período patrístico, já falam dos óleos abençoados. Dentro da prece eucarística, antes da sua conclusão, era comum fazer-se a bênção do óleo para os enfermos. Tal bênção era efetuada também pelos sacerdotes em suas igrejas, em cada domingo (se houvesse necessidade). Isso explica o motivo da tradição romana, prevista ainda hoje no Pontifical, de que o Óleo dos Enfermos seja abençoado na Oração Eucarística (exceto quando se usa, por motivos pastorais, a concessão de abençoar-se todos os óleos após a Liturgia da Palavra).
          Os óleos dos catecúmenos e do crisma eram abençoados pelo bispo antes do batismo, na Vigília Pascal. De fato, esses óleos eram utilizados na celebração deste sacramento, que pelo menos até o século IV só era celebrado na Noite Santa da Páscoa.
          Algum tempo depois, a data da bênção dos óleos começou a variar. No século VII, na França (segundo o Pseudo-Germano de Paris), a bênção acontecia no Domingo de Ramos, que por isso era chamado de Dies unctionis - Dia da unção.
          O motivo da fixação da bênção dos óleos na Quinta-feira Santa é, no fundo, prático. Os óleos deveriam ser utilizados nos batismos da Vigília Pascal. Deveriam, por isso, ser abençoados na missa anterior a este dia. Como na Sexta-feira Santa e no Sábado Santo não se celebra a Eucaristia (lembremo-nos que a Vigília Pascal não é celebração do Sábado Santo e sim do Domingo de Páscoa), os óleos deveriam ser consagrados na última missa da Semana Santa: a Missa da Quinta-feira Santa.
          Alguns missais antigos apresentam um formulário próprio para a Missa Chrismalis. Contudo, ao longo dos séculos, na liturgia romana esse costume foi sendo substituído pela unificação da bênção dos óleos com a Missa in Cena Domini (na Ceia do Senhor). Nas Igrejas Catedrais o bispo realizava, numa única missa, a bênção dos óleos, a trasladação do Sacramento para o Altar da Reposição, a Desnudação dos Altares e o Mandatum (o lava-pés).
           Com a reforma da Semana Santa, em 1955, o Papa Pio XII restaurou a Missa Crismal como uma celebração distinta daquela da Ceia do Senhor. Ela deveria ser celebrada pela manhã nas catedrais. O rito da bênção, essencialmente, permaneceu o mesmo. Apresentamos aqui apenas em linhas gerais a sequência da celebração - quem sabe um dia poderemos oferecer um estudo mais completo sobre tal rito.
          A celebração segue normalmente até quase o fim da Oração Eucarística (na época só se utilizava o Cânon Romano; portanto, o bispo interromperia a Oração Eucaristica antes das palavras "Por ele não cessais de criar e santificar estes bens e distribuí-los entre nós"). O bispo então descia para uma mesa que foi colocada diante do altar. Ele deveria sentar-se voltado para o altar, tendo de ambos os lados 12 presbíteros, 7 diáconos e 7 subdiáconos, todos paramentados. Estes eram testemunhas e cooperadores na bênção dos óleos. Trazia-se então o Oleum Infirmorum da sacristia. O óleo era colocado sobre a mesa e, em seguida, abençoado pelo bispo. Terminada a bênção, o óleo era conduzido à sacristia e guardado no lugar em que permanecerá ao longo do ano (o Sacrarium). O bispo voltava para o altar e continuava a celebração eucarística até a comunhão.
 Missa do Crisma em 2010 na Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney, Campos dos Goytacazes-RJ. É a única Diocese (a Administração Apostólica Pessoal é equiparada a uma Diocese) do mundo que celebra, em comunhão com o Papa, a Missa Crismal no rito vigente em 1962. A foto refere-se à procissão da sacristia para a mesa da bênção com o Óleo dos Enfermos.

          Depois da oração pós-comunhão o bispo e os presbíteros, diáconos e subdiácnos voltavam para os seus lugares próximos à mesa. Traziam-se então o Oleum Catechumenorum e o Oleum ad sanctum Chrisma. Eles vinham em procissão solene, com cruz, velas e acompanhados pelos 12 presbíteros, 7 diáconos e 7 subdiáconos. Postos sobre a mesa, tinha início a bênção.
          O bispo abençoava o bálsamo (perfume) e depois o misturava com um pouco do óleo para o santo Crisma. Depois soprava três vezes em forma de cruz sobre o óleo restante que seria abençoado. O mesmo faziam os 12 presbíteros. Fazia-se a solene oração de bênção, precedida do exorcismo do óleo. Depois de abençoado, o bispo misturava o perfume que havia preparado com um pouco de óleo dizendo uma pequena oração. Depois, com a cabeça inclinada, saudava o Santo Crisma dizendo: Ave sanctum Chrisma. Dizia estas palavras por três vezes, em tom crescente, beijando em seguida a borda superior do vaso do Crisma. Em seguida os doze presbíteros faziam o mesmo: três genuflexões dizendo Ave sanctum Chrisma e beijando a borda do recipiente do óleo santo.

          Em seguida, abençoava-se o óleo dos catecúmenos. Os ritos eram semelhantes: o bispo e os presbíteros sopravam sobre o óleo; fazia-se o exorcismo e a bênção; o óleo era saudado da mesma forma, dizendo-se Ave sanctum oleum. Depois da bênção o óleo dos catecúmenos e da consagração do crisma, as duas ânforas eram levadas processionalmente para a sacristia, e guardadas no Sacrarium. A missa continuava, então, normalmente, até o seu fim.
          Para concluir: os óleos são trazidos solenemente por ministros que envolvem as ânforas com um véu de determinada cor. Hoje se vê em muitos lugares a seguinte sequência: Crisma - vermelho, Catecúmenos - branco, Enfermos - roxo. Entretanto, a tradição romana apresenta outras cores. O Pontifical Romano determinava claramente a cor branca para o Santo Crisma - deve-se prparar "tres ampullas Oleo mundissimo plenas, quas in sacrario ponit, et diligenter custodit; unam ad Oleum Infirmorum, aliam ad Oleum Catechumenorum, tertiam quae major sit, ad Chrisma: et haec tertia cooperiri debet de panno sericeo albo; prima autem, et secunda, de sericeo panno alterius coloris sint coopertae" - "três ampolas cheias de óleo puríssimo, que se põem no sacrário [atenção: é o local de guardar os Santos Óleos, não o Tabernáculo da Reserva Eucarística], e são diligentemente guardadas; uma para o Óleo dos Enfermos, outra para o Óleo dos Catecúmenos, e a terceira, que é maior, para o Crisma: e esta terceira deve-se cobrir com um pano de seda branca; a primeira e a segunda, contudo, sejam cobertas com panos de seda de outras cores" (tradução livre nossa).
          Assim sendo, não é parte da tradição romana atribuir a cor vermelha ao Santo Crisma. Tal ligação foi feita, obviamente, por causa da relação entre o Crisma e o Espírito Santo (a cor litúrgica de Pentecostes é vermelha). Mas, a esse respeito, basta lembrar que na administração do Sacramento da Crisma não é obrigatório o uso da cor vemelha: pode-se utilizar também a cor branca (cf. Pontifical Romano).
          Apesar de que o Pontifical Romano não determine quais sejam as cores próprias dos outros dois óleos, tradicionalmente utiliza-se o roxo para o Óleo dos Enfermos e o verde para o Óleo dos Catecúmenos.

DOMINGO DE RAMOS NO ORIENTE


          No post anterior tratamos da origem do Domingo de Ramos e de uma tradição que era característica do Rito Romano até 1955, a abertura da porta com a haste da Cruz Processional. Neste post, sem pretensão de aprofundar, quero apenas apresentar a celebração desse dia num rito oriental.
          No canal do youtube do Patriarcado de Moscou, da Igreja Ortodoxa Russa, estão disponíveis alguns vídeos da celebração do Domingo de Ramos. Como estão em russo, também para mim não é possível entender o que é dito. Mas as imagens falam por si mesmas. É um tipo de solenidade diferente da solenidade do rito romano, mas nem por isso menor. É possível ver a concentração dos fiéis e a profunda devoção de todos.
          O tropário (equivalente à antífona de entrada) desse dia apresenta o sentido dos ritos:
Querendo, antes da Tua Paixão,
cimentar nossa fé na comum Ressurreição,
Tu ressuscitaste Lázaro de entre os mortos,
Ó Cristo nosso Deus.
Eis porque como as crianças de então,
nós levamos os símbolos da vitória
e Te cantamos a Ti, Vencedor da morte:
Hosana no mais alto dos céus!
Bendito aquele que vem em nome do Senhor!
          Mais informações podem ser obtidas no Manual de Serviços Divinos, do Arcipreste D. Sokolof (disponível no site Father Alexander).


В канун праздника Патриарх Кирилл освятил ветви верб
Москва, 16 апреля 2011 года. В канун праздника Входа Господня в Иерусалим Святейший Патриарх Московский и всея Руси Кирилл совершил всенощное бдение и освящение ваий в Храме Христа Спасителя.

Na véspera do feriado, Kirill abençoou os ramos dos salgueiros
Moscou, 16 de abril de 2011. Na véspera da entrada do Senhor em Jerusalém, o Patriarca de Moscou e de todas as Rússias, Kirill fez vigília e da consagração do Domingo de Ramos na Catedral de Cristo Salvador.

"APERITE MIHI PORTAS IUSTITIAE": ALGUNS ELEMENTOS DA HISTÓRIA DO DOMINGO DE RAMOS E DA PAIXÃO DO SENHOR


          Este domingo era chamado - como testemunham os Padres da Igreja Latina nos séculos IV e V - de "Dominica de Passione Domini": Domingo da Paixão do Senhor. A celebração solene da Paixão de Cristo no domingo anterior à Páscoa da Ressurreição é o aspecto mais antigo deste dia.
          Neste mesmo período, em Jerusalém, tem lugar no Domingo da Paixão a memória de caráter histórico, litúrgico e apologético (profissão pública da fé contra os infiéis) da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. A possibilidade de percorrer o mesmo trajeto de Jesus e de imitar o povo que o aclamou como Messias com palmas e ramos de oliveira nas mãos, despertou o interesse dos cristãos e permitiu a organização de uma liturgia própria.
          Etéria, uma peregrina que visitou Jerusalém por volta do século IV, testemunha os ritos litúrgicos desse dia. À sétima hora (13h00), os fiéis junto com seu bispo e todo o clero reuniam-se no Monte das Oliveiras e passavam a tarde entoando hinos e salmos e ouvindo leituras das Sagradas Escrituras. À hora undécima (17h00) era proclamado o evangelho da entrada de Jesus em Jerusalém e todos, com ramos nas mãos, iam em procissão até o Santo Sepulcro, na Basílica da Ressurreição. No percurso cantavam-se hinos e salmos com a antífona "Bendito o que vem em nome do Senhor". Lá chegados, celebrava-se o lucernário. Não se fala de bênção de Ramos.
          Contudo, em Jerusalém o rito será sempre mais desenvolvido. No século VI haverá cinco estações na procissão. Pelo menos desde o século XV, o que preside a procissão vai sentado sobre um jumentinho. É o que relata o Frei Suriano em seu "Tratado sobre a Terra Santa e o Oriente" acerca dos costumes dos frades que cuidam de Jerusalém:
Todos os irmãos (neste domingo) vão a Betfagé, e ali se põe montado sobre o asno o Padre Guardião, e processionalmente, com grande devoção e lágrimas, vão a Jerusalém, ao Monte Sião, com palmas e ramos de oliveira na mão, cantando: Hosana ao Filho de Davi, bendito o que vem em nome do Senhor. E, quando estão próximos do Monte Sião, se encontram com os armênios, religiosos e leigos, estendendo-lhes os mantos e as vestes debaixo do asno.
         Estes ritos logo serão adotados e adptados pelas liturgias orientais (principalmente pela Igreja Bizantina) e na liturgia espanhola (Santo Isidoro de Sevilha fala destes ritos no fim do século VI e início do século VII). Em seguida, passarão aos poucos à liturgia romana. Apenas no século X, contudo, o Pontifical Romano-Germânico (que recolhe os usos romanos e a influência da liturgia galicana [francesa]) apresentará um rito organizado e completo da bênção dos Ramos e da procissão.
          Não pretendemos aqui relatar todo o desenvolvimento histórico-litúrgico do Domingo de Ramos - para isso sugerimos o estudo profundo de Pe. Mario Righetti, "História da Liturgia". Assinalo apenas um curioso rito que foi abolido em 1955 com a publicação do "Ordo Hebdomadae Sanctae Instauratus" pelo Papa Pio XII: a abertura da porta da igreja no regresso da procissão.
          Quando a procissão retornava à igreja, as portas desta deveriam estar fechadas. Interrompia-se a procissão, entoava-se o hino de Teodolfo "Glória, louvor e honra a ti, ó Cristo Rei, Redentor". Concluído este hino a Cristo Rei, o subdiácono cruciferário bate na porta com a extremidade da haste da cruz processional; a porta se abre e a procissão entra na igreja, cantando-se então a antífona "Entrando o Senhor na Cidade Santa, os filhos dos hebreus anunciavam a ressurreição da Vida".
 Domingo de Ramos - Fraternidade Sacerdotal
São Pedro (FSSP) - Denton/USA, 2010

           De acordo com Durando - o mestre da interpretação alegórica da liturgia na Idade Média - a procissão representa o cortejo dos justos, encabeçados por Cristo, que os introduziu no Céu somente em virtude de sua cruz.
          Tal rito certamente também foi trazido de Jerusalém. Um livro litúrgico hierosolimitano do século VI (o "Tipycon"), relata que o Bispo, o clero e o povo só entravam na Anástasis (Basílica da Ressurreição) após o canto do Salmo 117,19-20: "Abri-me as portas da justiça... É esta a porta do Senhor, os justos entram por ela". Segundo Righetti, não é difícil considerar o desenvolvimento da cena dramática da batida na porta com a cruz processional a partir da interpretação cristológica desses versículos.
          Mas atenção: como afirmei, tal rito foi abolido pela reforma da Semana Santa em 1955, por Pio XII!!! Portanto, creio que não seja necessário lembrar que não se deve "ressuscitar" tal rito em nome de uma falsa "criatividade"...
          Feliz Páscoa a todos os leitores do Ars Celebrandi!

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REFERÊNCIAS

-RIGHETTI, Mario. Historia de la liturgia. I: Introducción general. El año liturgico. El breviario. Madrid: La Editorial Catolica, 1955. (Biblioteca de Autores Cristianos - BAC, 132). pp. 777-785. (Em espanhol).
-LITURGIA da Semana Santa Restaurada. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Christi, 1957. (Em latim-português).
-LE VAVASSEUR. Les fonctions pontificales selon le rit romain. 3.ed.rev.aum. (por Haegy). Tomo II. Paris: Librairie Victor Lecoffre, 1904. pp. 43-69. (Em francês).

sexta-feira, 25 de março de 2011

Estatísticas de visita

    
Neste momento as estatísticas deste blog registram 303 visitas, desde maio de 2010 quando a página foi colocada no ar. Muitíssimo obrigado a todos os leitores!
Para minha surpresa, o blog não tem sido visto apenas aqui no Brasil. Há acessos de países tão distantes quanto a Rússia, a China e a Índia!!!


Muitíssimo obrigado a todos! Divulguem o blog! Ajudem a difundir esse desejo de que a Ars Celebrandi seja redescoberta!

Ainda sobre o véu quaresmal: o Hungertuch


Hoje estava fazendo uma pesquisa sobre o Hungertuch, o véu quaresmal que cobria todo o presbitério escondendo-o aos olhos dos fiéis durante a Quaresma, e fiz uma descoberta interessante. Em nosso Seminário Diocesano nós temos um Hungertuch!

O Hungertuch (pano de fome), como vimos no post sobre o costume de cobrir as imagens e cruzes na V Semana da Quaresma, tinha um sentido de despertar a penitência, a contrição dos fiéis, preparando-os para participar plenamente da Páscoa do Senhor, com o coração e os olhos do corpo e do espírito purificados.

Geralmente o Hungertuch retrata alguma cena da Paixão do Senhor. Por isso na França ele é chamado de "toile de Passion", "toalha da Paixão". Após a Segunda Guerra Mundial foram encontrados exemplares desses panos quaresmais em igrejas da Alemanha. Eles foram restaurados e alguns foram conservados nas próprias igrejas, sendo utilizados na Quaresma, enquanto outros foram entregues a museus. O Hungertuch que ilustrava o post anterior, da Catedral de Freiburg, foi restaurado em 2003 e pesa quase uma tonelada!

A Misereor, uma entidade da Conferência Episcopal Alemã para auxílio às igrejas dos países do Terceiro Mundo, que ajudou bastante a Igreja no Brasil, desde 1986 produz a cada ano um Hungertuch, que apresenta como que uma "atualização" da Paixão do Senhor. E é uma dessas obras que temos aqui em nosso Seminário. No nosso refeitório fica exposto o Hungertuch da Misereor realizado no ano 1996 por Sieger Köder:


Estes panos quaresmais são colocados no centro do presbitério, cobrindo as eventuais imagens, retábulos e outros adornos existentes na parede de fundo. Na foto vemos uma igreja da Alemanha em cujo presbitério foi colocado um Hungertuch (foto de 2008):


Que este tempo da Quaresma nos ajude a purificarmos o nosso olhar, contemplando a Paixão do Senhor na Via Dolorosa rumo ao Calvário e no Calvário de tantos irmãos e irmãs que sofrem ao redor do mundo. 

Laersio da Silva Machado
Seminarista da Diocese de Imperatriz,
3º ano de Teologia

quinta-feira, 24 de março de 2011

O VÉU QUARESMAL DAS IMAGENS E CRUZES


Permanece vivo em muitas igrejas o costume de cobrir com um véu roxo a cruz e as imagens sacras durante a última semana da Quaresma. Embora tal tradição já se tenha perdido em alguns lugares e em outras tantos não se saiba mais qual seu significado, a igreja ainda o recomenda. Neste pequeno artigo apresentaremos algumas informações de caráter histórico sobre a origem desse costume e, ao fim, verificaremos nos livros litúrgicos restaurados por decreto do Concílio Vaticano II como se deve proceder atualmente.

O velum quadragesimale

Véu quaresmal que cobre todo o presbitério (Freiburg - Münster, Alemanha)

Para descobrir a origem do véu das imagens é preciso retroceder aos primeiros séculos do cristianismo, pois é a partir da prática penitencial antiga que se desenvolverá esse costume, como veremos. A disciplina penitencial da Igreja antiga era extremamente rígida: durante meses e até anos, ou em certos casos até ao fim da vida, o penitente deveria realizar atos ascéticos e não poderia participar plenamente da liturgia. Assim como os penitentes, todos os pagãos, hereges e os catecúmenos não podiam acompanhar toda a celebração eucarística.
Sinal disso é que, até a publicação do Missal de Paulo VI (1969), a missa era dividida em duas partes: a “missa dos catecúmenos” (orações ao pé do altar, intróito, kyrie, glória, oração coleta, leitura, salmo gradual, evangelho, prédica, credo) e missa dos fiéis (ofertório, cânon, ritos de comunhão, oração pós-comunhão, bênção final, último evangelho). De início a missa dos catecúmenos era concluída com uma oração de bênção e o convite do diácono para os “não-fiéis” já enumerados retirarem-se¹.
Tal convite – que num largo processo desembocou no atual “Ite, missa est”, “Ide, a missa terminou” ou “Ide, é a missa [missão, envio]” – marcava a saída dos catecúmenos e penitentes do recinto sagrado. Os penitentes eram reconciliados na manhã da Quinta-feira Santa, para participarem do Tríduo Pascal.
Segundo D. Prósper Guéranger e o Pe. João Batista Reus (p. 149-150), quando a penitência pública caiu em desuso e passou a ser praticada a penitência privada dada pelo confessor, o sentido da saída dos penitentes foi preservado com o uso litúrgico do “velum quadragesimale”, o “véu da quaresma”. Esse véu inicialmente recobria todo o presbitério, ocultando completamente o altar aos olhos de todos, como que advertindo-os de que é necessário fazer penitência antes de tomar parte nos Sagrados Mistérios.

O Pe. Edward McNamara conduz tal costume a uma tradição germânica:
Em seguida, tal prática foi simplificada. Desapareceu o véu quaresmal, ficando apenas o véu da cruz e das imagens.
... a origem histórica desta prática [...] provavelmente deriva do costume, existente na Alemanha desde o IX século, de estender um grande tecido na frente do altar desde o início da Quaresma. Este tecido, chamado “Hungertuch” (pano de fome), cobria inteiramente o altar para os fiéis durante a quaresma e não era removido até a leitura da Paixão na Quarta-feira Santa, às palavras “o véu do templo partiu-se em dois”. (tradução livre nossa – original em inglês)

Uma interpretação alegórica: “... mas Jesus escondeu-se” (Jo 8,59)

Após a explicação da origem histórica dos véus quaresmais, vejamos agora o significado alegórico e espiritual que foi atribuído a este rito e que ajuda a tomá-lo como auxílio visual na preparação à Páscoa do Senhor.

Na liturgia anterior ao Concílio Vaticano II, chamada agora de “Forma Extraordinária do Rito Romano”, a V Semana da Quaresma era chamada de Tempo da Paixão, estendendo-se até o início do Tríduo Sacro. Era um período profundamente austero.

Se no IV Domingo (Laetare²) a Igreja despojou-se das vestes penitenciais para vestir as da alegria pela proximidade da Páscoa, agora no Tempo da Paixão ela deve intensificar a penitência e estimular os piedosos pensamentos sobre a morte de Cristo.

Durante toda a Quaresma o “enlutamento” da Igreja pelo Noivo que é retirado vai tornando-se sempre maior. Durante o Tempo da Paixão, além do “Aleluia” e do “Glória a Deus nas alturas”, que não são entoados desde a Quarta-feira de Cinzas, também não é mais rezado o “Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo”. Ao aproximar-se o sacrifício do Cordeiro Pascal a Igreja mergulha na dor da sua morte.

Os paramentos deste tempo ainda são roxos. Mas (sempre na liturgia anterior a 1969) na Sexta-feira Santa o luto chegará ao seu ápice: a Igreja vestir-se-á de preto, como faz por ocasião do falecimento de qualquer cristão (embora hoje dificilmente se veja um padre vestir paramentos pretos em celebrações exequiais...). É o dia da morte do Esposo. Dia de luto universal.

No Domingo da Paixão (hoje V Domingo da Quaresma) lia-se o evangelho de João 8,46-59, que apresenta o grande conflito de Jesus com os judeus. Ele apresenta-se como o Messias divino (“Eu sou” é o nome de Deus), anterior a Abraão (cf. Jo 8,58). O resultado é que os judeus tentam apedrejá-lo. Jesus tem de esconder-se e sair do templo.

Ao escolher este evangelho, a liturgia anterior ressaltava o clima de tensão que conduziria à condenação capital de Jesus. Para expressar simbolicamente esse mistério a liturgia cobria as imagens com um véu roxo. Este é o sentido espiritual apresentado por D. Prósper Guéranger, OSB:

Na espera desta hora [a hora da agonia do Filho, quando o Esposo será tirado], a santa Igreja manifesta os seus dolorosos pressentimentos velando antecipadamente a imagem do divino Crucificado. A própria Cruz fica invisível aos fiéis, desaparecendo através de um véu. Não se verão mais as imagens dos santos, porque é justo que o servo se esconda, quando se eclipsa a glória do Patrão. Os intérpretes da Liturgia ensinam que o austero uso de velar a Cruz no tempo da Paixão significa a humilhação do Redentor, que foi constrangido a esconder-se para não ser lapidado pelos judeus... (tradução livre nossa – original em italiano).
O véu das imagens no Missal de Paulo VI

Historicamente, como vimos, a velatio das imagens é uma adaptação do costume de impedir aos penitentes, hereges e não-batizados a participação, a “visão” dos Sagrados Mistérios: da expulsão dos penitentes passou-se ao véu amplo que escondia todo o presbitério e que foi reduzido, posteriormente, ao véu das cruzes e imagens sacras na Igreja.

Do ponto de vista espiritual o costume foi interpretado como sinal da penitência à qual todos os fiéis são chamados, ainda como sinal da antecipação do luto da Igreja pela morte do seu Esposo e da humilhação de Cristo, que teve de esconder-se para escapar da ameaça de morte.

Até a publicação do Missal de Paulo VI, em 1969, era obrigatório o costume de cobrir as imagens na V Semana da Quaresma. A reforma litúrgica, porém, ao contrário do que muitos imaginam, não aboliu este uso. Ele foi tornado facultativo, podendo ser mantido a juízo das conferências episcopais. É o que afirma a rubrica do sábado da IV Semana da Quaresma:
Pode-se conservar o costume de cobrir as cruzes e imagens da igreja, a juízo das Conferências Episcopais. As cruzes permanecerão veladas até o fim da celebração da Paixão do Senhor, na Sexta-feira Santa. As imagens, até o início da Vigília Pascal.

Note-se, contudo, que mesmo onde não se mantém o costume de cobrir com o véu roxo as imagens na última semana quaresmal, é recomendado cobrir ou retirar da igreja as cruzes no final da Missa na Ceia do Senhor, na Quinta-feira Santa, durante o Tríduo Pascal, de modo que na Celebração da Paixão apresente-se aos fiéis uma única cruz. No final da Celebração da Paixão todas as cruzes são desveladas. Eis a rubrica do Missal Romano:
Após alguns momentos de adoração silenciosa [ao Santíssimo Sacramento que foi levado em procissão após a oração depois da comunhão], o sacerdote e os ministros fazem genuflexão e voltam à sacristia. Retiram-se as toalhas do altar e, se possível, as cruzes da Igreja. Convém velar as que não possam ser retiradas.

Se na sua igreja este belo costume ainda é conservado, aproveite essas informações para explicar aos demais membros da comunidade o seu sentido. Assim, também com os sinais externos da penitência, do recolhimento, da purificação da visão e do coração de tudo o que é secundário ou mesmo supérfluo, poderemos concentrar o nosso sentir, pensar e agir no Cristo Crucificado. Com os olhos fixos no Senhor, percorrendo com ele a Via Dolorosa, chegaremos às núpcias do Cordeiro Redivivo, à Páscoa da Ressurreição.
Laersio da Silva Machado
Seminarista da Diocese de Imperatriz,
3º ano de Teologia

Notas:
¹ Pode-se aprofundar o assunto no livro clássico de Pe. Josef Andreas Jungmann, Missarum Sollemnia, Parte III “Os ritos das partes da missa. A liturgia da Palavra”, Capítulo II “A Liturgia da Palavra”, n. 9 “Despedidas”, (São Paulo: Paulus, 2009. pp. 460-465).


REFERÊNCIAS

MISSAL ROMANO. Restaurado por decreto do Sagrado Concílio Ecumênico Vaticano Segundo e promulgado pela autoridade do Papa Paulo VI. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo/Petrópolis: Paulinas/Vozes, 1992.

GUÉRANGER, D. Prósper, OSB. L’Anno liturgico. “Mistica del Tempo di Passione e Settimana Santa” Disponível em: . Acesso em: 24 mar. 2011. (em italiano)

REUS, João Batista, SJ. Curso de liturgia. 2.ed.rev.aum. Petrópolis: Vozes, 1944.

JUNGMANN, Josef Andreas. Missarum Sollmenia: origens, liturgia, história e teologia da missa romana. 5.ed.corr. São Paulo: Paulus, 2009.

MCNAMARA, Edward. Covering of crosses and images in lent. Entrevista publicada em Zenit, 03 mar. 2005. Disponível em: . Acesso em: 24 mar. 2011. (em inglês)

RIGHETTI, Mario. Historia de la liturgia: I – Introduccion general. El año liturgico. El breviario. Madrid: La Editorial Catolica, 1955. (Biblioteca de autores cristianos – BAC, 132). (em espanhol)

Mais uma vez, a Quaresma...

E mais uma vez estamos na Quaresma. Tempo de revisão de vida. Tempo de retomar este projeto também. Nascido na Quaresma de 2010, por uma série de dificuldades pessoais esteve meio esquecido... Agora, retomo este blog com o intuito de continuar oferecendo algumas pequenas informações sobre a Sagrada Liturgia, culmen et fons da vida da Igreja.

Atendendo ao pedido de alguns colegas seminaristas, inicio com um post sobre o costume de cobrir as imagens na Quaresma. Na realidade havia começado a redigi-lo no ano passado, mas não o publiquei. A versão que apresento agora sofreu algumas alterações, devido ao acréscimo de informações.

Será que desta vez o blog permanecerá atualizado?
Deus ajude que sim!
Conto com a sua colaboração, caro leitor, enviando sugestões, dúvidas, temas a serem tratados. No pouco que posso ajudar, tentarei ser eficiente.
Boa caminhada quaresmal rumo à Páscoa!

Laersio da Silva Machado
Seminarista da Diocese de Imperatriz,
3º ano de Teologia

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

MISSA NO ANIVERSÁRIO DE IMPERATRIZ

Apesar do atraso de quase dois meses, tive acesso (finalmente) às fotos da missa celebrada na Igreja Matriz Santa Teresa D'Ávila pelos 158 anos de fundação da cidade de Imperatriz, Maranhão, no dia de Nossa Senhora do Carmo, 16 de julho.
Em 1852, na mesma data, chegavam às margens do rio Tocantins o frade carmelita Frei Manoel Procópio do Imaculado Coração de Maria e os colonos que fundaram a Vila de Santa Teresa, origem da atual cidade.
A Santa Missa foi celebrada pelo Pe. Tarcísio Cardoso da Silva, vigário da referida paróquia matriz da cidade. As fotos deixam transparecer a beleza e solenidade da celebração. Pe. Tarcísio é conhecido por seu amor à liturgia da Igreja. Bem... as imagens falam mais alto.

A igreja matriz antes da celebração:


Apresentação das oferendas:


Comunhão:



Voltando...

Estou de volta!
Depois da última postagem em julho (!!!!!)  e após infindáveis problemas com a internet e com a disponibilidade de computadores para preparar novos posts, venho dizer que no dia que der certo (sabe-se lá quando!) publicarei os prometidos textos sobre os ministérios litúrgicos na Igreja.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

ACOLITATO: A SERVIÇO DO ALTAR DO SENHOR

Hoje, às 19h00, na Paróquia Sagrado Coração de Jesus, de Cidelândia - MA, serei instituído acólito por Dom Gilberto Pastana de Oliveira, meu bispo diocesano. Por causa disso, na próxima semana, ao voltar a postar, tratarei um pouco das antigas "ordens menores", e dos atuais ministérios de leitor e acólito. Aguardem!

quinta-feira, 8 de julho de 2010

MESA "PROLONGANDO" O ALTAR? - "NÃO!!!", responde Congregação do Culto Divino

 
"LA TAVOLA DELL'ULTIMA CENA"



          A imagem acima retrata a Missa da Ceia do Senhor, na Quinta-feira Santa, em uma igreja francesa. Pode parecer estranho, mas colocar este "prolongamento" do Altar na nave central da igreja tornou-se um costume em alguns lugares. Isso quando é "prolongamento", pois algumas vezes a tal mesa serve de altar, embora haja um Altar verdadeiro na igreja. 
          Mas não se vê tal disposição apenas na Quinta-feira Santa, mas também nas missas de Primeira Comunhão e outras, para incentivar a "participação" e "reproduzir" a "mesa da última ceia" do Senhor. Sem contar as "mesinhas" colocadas ao lado do altar, cheias de pão, galhetas de vinho, cachos de uva e trigo, tão ornamentadas que o altar fica esquecido...

          Navegando pela internet hoje, encontrei no site da Conferência Episcopal Italiana uma resposta da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, datada de 2008, que trata justamente de tal "arranjo". Antes que o costume se espalhe entre nós, que tal divulgar a resposta do discastério vaticano? Aí vai a minha tradução do texto, que pode ser encontrado no site da CEI, com o nome "Tavola in medio ecclesiae.doc".


CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS
Notitiae vol. 38 (2002) 492

Pergunta:
É possível predispor uma mesa com pão e vinho no meio da igreja próxima ao altar ou no presbitério por ocasião da Missa "na Ceia do Senhor" ou da primeira plena participação na Eucaristia, dita "primeira Comunhão"?

Resposta: Não.
As normas vigentes sobre a matéria afirmam de modo claro a importância que se deve atribuir ao altar, cuja posição deve fazer com que toda a comunidade volte a sua atenção para ele: "Convém que em cada igreja haja um altar fixo, que significa mais claramente e permantemente Jesus Cristo, pedra viva (1Pd 2,4; cf. Ef 2,20); nos outros lugares, destinados às sagradas celebrações, o altar pode ser móvel. O altar se diz fixo se é construído de tal modo que se ligue ao pavimento e não possa, portanto, ser removido; se diz, ao contrário, móvel se é possível transportá-lo" (Introdução Geral do Missal Romano, [n.b.: 3ª edição típica], n. 298).

Daqui resulta, portanto, que é necessário um só altar, a parte mais importante do presbitério e de toda a igreja, de modo que sua singularidade favoreça a participação dos fiéis: "Nas novas igrejas construa-se um só altar que signifique à comunidade dos fiéis o único Cristo e a única Eucaristia da Igreja. Nas igrejas já construídas, quando o altar antigo é disposto de modo a dificultar a participação do povo e não pode ser removido sem danificar o valor artístico, se construa um outro altar fixo, realizado com arte e devidamente dedicado. Somente sobre este altar se realizem as celebrações sagradas. O altar antigo não venha ornado com particular cuidado para não subtrair a atenção dos fiéis do novo altar" (Instrução Geral do Missal Romano, n. 303).
O uso, portanto, de predispor uma mesa com o pão e o vinho para a memória da Última Ceia de Jesus ou para dispor as crianças durante a primeira participação eucarística é simbolicamente uma repetição, pedagogicamente uma distração e pastoralmente algo de inconsistente, pois distrai o povo do altar, atrapalha a percepção da importância de cada elemento da arquitetura da Igreja e não favorece de fato a participação dos fiéis (grifo nosso).

Ah, se nossas equipes de liturgia lembrassem disso!!! Não teríamos mais as mesinhas da "Última Ceia" ao lado do altar... nem o pão de padaria colocado por ali (quando não sobre o altar!),  que de "símbolo" passa a anti-símbolo, pois destrói o significado das espécies eucarísticas, e serve apenas para ser comido por coroinhas, leitores e comentaristas após a celebração...

De volta!

Depois de uma longa pausa, devido a problemas com a internet do Seminário e aos empenhos da faculdade e da pastoral da saúde, volto a postar no blog.


 Durante estas férias pretendo publicar uma série de artigos a partir de um excelente livro de história da liturgia, do abade italiano Mario Righetti. Em breve!

Por enquanto, para reinaugurar o blog, uma pequena notícia...

domingo, 14 de março de 2010

LAETARE, JERUSALEM - IV Domingo da Quaresma



O IV Domingo da Quaresma é chamado de "Laetare". Esta é a primeira palavra da antífona de entrada da missa deste domingo: "Laetare, Jerusalem". "Alegra-te, Jerusalém!" (cf. Is 66,10-11).

É um dos dois únicos dias em que o Missal Romano prevê a possibilidade do uso de paramentos róseos. A cor é expressão visível da alegria que inunda toda a celebração litúrgica, ao aproximar-se a Páscoa da Ressurreição.

A origem da cor rósea está relacionada à bênção das rosas. De início, tratava-se de rosas naturais. Este domingo situa-se próximo do início da primavera no hemisfério norte (haja vista que a Páscoa ocorre no domingo após a primeira lua-cheia da primavera) e, por isso, os cristãos tinham o costume de presentear-se com as primeiras rosas da estação. Depois este domingo foi relacionado à bênção da Rosa de Ouro pelo Papa, como veremos a seguir. Os ritos foram simplificados, mas a Rosa de Ouro ainda é comumente entregue pelo Santo Padre como sinal de apreço. Um exemplo é a Rosa de Ouro que o Papa Bento XVI ofereceu à Basílica Nacional de Nossa Senhora Aparecida durante sua visita em maio de 2007.

Meditando na oração de bênção da Rosa de Ouro apresentada por D. Prósper no texto abaixo, podemos perceber o profundo sentido espiritual que se pode alcançar da cor dos paramentos e desta referência às flores: a Páscoa é a primavera espiritual do cristão, que o renova, revigora e faz exalar o bom perfume de Cristo. Além disso - como se percebe nas últimas frases da oração - a verdadeira rosa, a flor à qual a Liturgia faz referência neste domingo é o Cristo, o Lírio dos Vales, a Flor dos Campos que germinou no Tronco de Jessé.

Outro acento especial é a alegria. Somente na oração de bênção citada por D. Prósper podemos contar nove referências a alegria, felicidade, gozo, contentamento. É a alegria cristã, haurida na Ressurreição do Senhor pela participação nesta em nosso Batismo.

Cabe recordar que o Missal Romano atual afirma que neste domingo, além dos paramentos poderem ser de cor rosa, pode-se ornar o altar com flores e o órgão (ou outros instrumentos) pode voltar a soar nas igrejas, quase como uma antecipação das festas pascais.

Apresento, a seguir, a tradução que fiz de um texto de Dom Prósper Guéranger, OSB, um dos pais do movimento litúrgico, sobre a celebração deste IV Domingo da Quaresma. Além de apresentar a origem histórica da celebração, Dom Prósper oferece-nos também uma excelente meditação sobre o sentido espiritual deste dia.


QUARTO DOMINGO DA QUARESMA

Dom Prósper Guéranger ("O Ano Litúrgico)

O domingo da alegria
Este Domingo chamado Laetare, da primeira palavra do Intróito da Missa, é um dos mais célebres do ano. Neste dia a Igreja suspende as tristezas da Quaresma; os cantos da Missa não falam senão de alegria e de consolação; se faz ouvir novamente o órgão, que permaneceu mudo nos três Domingos precedentes; [... ]é consentido substituir os paramentos roxos com paramentos rosa. Os mesmos ritos já os havíamos visto praticarem durante o Advento, no Terceiro Domingo chamado Gaudete. Manifestando hoje a Igreja a sua alegria na Liturgia, quer felicitar-se do zelo de seus filhos; havendo eles já percorrido a metade da santa quaresma, quer estimular o seu ardor a prosseguirem até o fim.
A Rosa de Ouro
A bênção da Rosa é ainda hoje um dos particulares ritos do Quarto Domingo da Quaresma, por qual razão vem chamado também de Domingo da Rosa. Os graciosos pensamentos que inspira esta flor são em harmonia com os sentimentos que hoje a Igreja quer infundir nos seus filhos, aos quais a alegre Páscoa logo abrirá uma primavera espiritual, em confronto da qual a primavera da natureza não é senão uma pálida idéia. Também esta instituição remonta aos séculos mais distantes. A instituiu são Leão IX, em 1049, na Abadia da Santa Cruz de Woffenheim; e nos resta um sermão sobre a Rosa de Outro, que Inocêncio III pronunciou aquele dia na Basílica da Santa Cruz em Jerusalém (PL 217,393). Na Idade Média, quando o Papa morava ainda no Latrão, depois de haver abençoado a Rosa, seguia em cortejo todo o Sacro Colégio, rumo à igreja da Estação, levando na cabeça a Mitra e na mão esta flor simbólica. Chegado à Basílica, pronunciava um discurso sobre os mistérios representados pela Rosa por causa de sua beleza, a sua cor e o seu perfume. Então se celebrava a Missa; terminada a qual, o Pontífice retornava ao Palácio Laterantense, atravessando a esplanada que separa as duas Basílicas, sempre com a Rosa na mão. Chegado à porta do palácio, se no cortejo era presente um príncipe, cabia a ele conduzir as rédeas e ajudar o pontífice a desmontar do cavalo; em recompensa da sua cortesia recebia a Rosa, objeto de tanta honra.
Aos nossos dias a função não é mais tão imponente; mas lhes há conservado todos os principais ritos. O Papa abençoa a Rosa de Ouro na Sala dos Paramentos, a unge com o Santo Crisma e sobre ela espalha um pó perfumado, conforme o rito de um tempo; e quando chega o momento da Missa Solene, entra na Capela do Palácio, tendo entre as mãos a flor. Durante o Santo Sacrifício a rosa é colocada sobre o altar e fixada sobre um rosário de ouro feito para este fim; finalmente, terminada a Missa, ela é levada ao Pontífice, o qual ao sair da Capela a tem sempre entre as mãos até a Sala dos Paramentos. Muitas vezes o Papa costuma enviar a Rosa a qualquer príncipe ou princesa que deseja honrar; outros vezes é uma cidade ou então uma Igreja que é feita objeto de tal distinção.
Bênção da Rosa de Ouro
Damos aqui a tradução da bela oração com a qual o Soberano Pontífice abençoa a Rosa de Ouro: essa ajudará os nossos leitores a melhor penetrarem o mistério desta cerimônia, que acrescenta tanto esplendor ao quarto Domingo da Quaresma: “Ó Deus, que tudo criastes com a vossa palavra e poder, e que governais com a vossa vontade; Vós que sois o gozo e a alegria de todos os fiéis; suplicamos a vossa majestade que vos digneis abençoar e santificar esta Rosa de aspecto e perfume tão agradáveis, que nós devemos hoje em trazer entre as mãos, em sinal de alegria espiritual: para que o povo a vós consagrado, arrancado do jugo da escravidão da Babilônia com a graça do vosso Filho Unigênito, glória e alegria de Israel, exprima com coração sincero as alegrias da Jerusalém do alto, nossa mãe. E como a vossa Igreja, à vista deste símbolo, exulta de felicidade pela glória do vosso Nome, concede-lhe, ó Senhor, um contentamento verdadeiro e perfeito. Agrade-vos a sua devoção, absolve os seus pecados, aumenta-lhe a fé; abate os seus obstáculos e concede-lhe todo bem: para que a mesma Igreja vos ofereça o fruto de suas boas obras, caminhando atrás dos perfumes desta flor, a qual, surgida da planta de Jessé, é misticamente chamada a flor dos campos e o lírio dos vales; e que ela mereça gozar um dia a alegria sem fim na glória celeste, em companhia de todos os Santos, com a Flor divina que vive e reina contigo, na unidade do Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos. Amém”.


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FONTES:

GUÉRANGER, D. Prósper, OSB. L’anno liturgico: I. Avvento - Natale - Quaresima – Passione. Trad. it. P. Graziani. Alba, 1959. Disponível em: http://www.unavoce-ve.it/gueranger.htm. Acesso em: 13 mar. 2010.

KECKEISEN, D. Beda, OSB. Missal Quotidiano: completo / em português com o próprio do Brasil: edição B. 24.ed. Salvador: Beneditina, 1964.